Parecer - ACS - EC 51 - Lei 11.350/06 - Art. 1º O art. 198 da Constituição Federal passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 4º, 5º e 6º: "Art. 198,§ 4º Os gestores locais do sistema único de saúde poderão admitir agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias por meio de processo seletivo público, de acordo com a natureza e complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para sua atuação. .

PARECER JURÍDICO
AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE (ACS) – EC 51 – LEI 11.350/06 – PROCESSO SELETIVO
I CONSIDERAÇÕES INICIAIS
I.1 O PSF
 
SINDIACS/ACE participa do GT de Desprecarização dos ACS/ACE da Bahia


O vice-presidente do SINDIACS/ACE e Coordenador Geral do Fórum Estadual das Entidades Sindicais dos ACS/ACE, Josivaldo Gonçalves, participou no dia 26 de junho, em Salvador, da segunda reunião do Grupo de Trabalho de Desprecarização dos ACS e ACE. A reunião também contou com a participação do diretor da Atenção Básica do estado, José Cristiano Soster. Da presidente regional dos ACS/ACE de Ribeira do Pombal, Maria Aragão e; da diretora jurídica do Sindicato Regional de Jequié, Josineide Silva, as duas últimas representando o Fórum Estadual dos ACS/ACE.
Na oportunidade foi discutida a publicação do decreto presidencial que regulamenta o Piso Nacional e o Plano de Cargos e Carreira dos trabalhadores. Ficou definido que a diretoria da DAB irá se debruçar sobre o PCCR dos sindicatos de Ribeira do Pombal, Itabuna e Guanambi.


  A questão da forma de contratação dos profissionais do PSF é por demais debatida sob o prisma da Administração Pública e sua base principiológica.
Preferencialmente deve-se destacar que qualquer análise simplista do thema à luz do inciso II do Art. 37 da Carta Política de 88 sobre o provimento originário dos cargos públicos estará fadada ao insucesso, quando se tratar de PSF.
Fosse à aplicação do dispositivo constitucional tão cartesiana e pragmática, não se estaria a discutir o tema desde 1994, ano da gênese do citado programa.
A extensão e a profundidade da saúde pública, permeada pela lógica sistêmica do próprio Sistema Único de Saúde (SUS) não permite com tranquilidade a assertiva absoluta e inquestionável sobre a forma de contratação de um dos principais atores do PSF, os agentes  comunitários de saúde.
Para uma análise pormenorizada da questão torna-se imprescindível que se tenha pleno conhecimento do Programa.
Sob qualquer ângulo que se queira analisar a questão não podemos perder de vista a eterna dicotomia na saúde pública no Brasil:
II SUS LEGAL  X  SUS REAL
O primeiro, SUS Legal, é aquele contemplado em vários dispositivos da Constituição Federal, em específico o Art. 196 da Constituição Federal: “A saúde é direito de todos e dever do Estado,...”. Muito pouco ou absolutamente se sabe do restante do mesmo artigo quando se diz: “..., garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”(verbis).
Não se discute o direito à saúde como corolário do direito à vida, inaugurado no nosso ordenamento jurídico a partir de 1988, com a atual Constituição Federal.
Não se discute a importância desse novo marco na seara da saúde pública na relação Estado e Cidadão, quando anteriormente “importava” ao Estado apenas o cidadão trabalhador (CF de 1934 e CF 1967).
Não se discute a função do Estado em dar garantias a um dos seus elementos formadores: o povo.
Porém, se deve discutir as capacidades e disponibilidades do Estado na efetividade de seu mister. Principalmente, quando as atenções se voltam aos Municípios e aos gestores municipais.
Há muito, no que concerne a administração pública estamos vivendo a federalização do bônus X a municipalização dos ônus.
No caso específico do PSF – PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA, a sua “idealização”, diga-se de passagem, exitosa no Canadá e em Cuba, com certeza serve como modelo de ré-ordenamento da atenção básica no Brasil, privilegiando a promoção e a prevenção da saúde e não a recuperação, sabidamente mais dispendiosa.
Há profunda diferença em receber recursos financeiros no PAB fixo (Piso de Atenção Básica) ou no PAB VARIÁVEL e concluir o que é “receita carimbada” obrigatória e não voluntária, do que venha a ser incentivo financeiro...
III CONCURSO PÚBLICO
Invariavelmente, a discussão em torno dos ACS´s, no que concerne a sua forma de vínculo com a administração se dá no campo do concurso público...
Ledo e crasso engano. Incorre em equívoco tal entendimento.
No que concerne a “contratação” de servidor com o Poder Público somos impelidos para o comando da matriz constitucional, esculpido na Constituição Federal no seu art. 37, inciso II,  verbis:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:"
"II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;"(g.n.)
Portanto, a regra para ingresso na administração pública é a aprovação em concurso público.
Entretanto, quantos aos ACS´s, a Constituição Federal exige que os mesmos se submetam a Processo Seletivo Público, não concurso. Senão Vejamos.

IV EC 51 e LEI 11.350/06
  Com o advento da Emenda Constitucional 51, e sua regulamentação consubstanciada na Lei 11.350/06, foi estabelecido um novo marco constitucional e infraconstitucional para os agentes comunitários de saúde.
  A partir da citada norma constitucional, os referidos agentes somente poderão ser contratados a partir da aprovação em processo seletivo público (não é concurso).
IV.1 EC 51
  Corroborando a assertiva acima, basta uma simples leitura da EC 51 para se constatar que esse instrumento constitucional acrescentou parágrafos ao Art. 198 da CF, fazendo menção a processo seletivo e não concurso, verbis:
EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 51, DE 14 DE FEVEREIRO DE 2006
Acrescenta os §§ 4º, 5º e 6º ao art. 198 da Constituição Federal.
        As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional:
        Art. 1º O art. 198 da Constituição Federal passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 4º, 5º e 6º:
"Art. 198


§ 4º Os gestores locais do sistema único de saúde poderão admitir agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias por meio de processo seletivo público, de acordo com a natureza e complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para sua atuação.
§ 5º Lei federal disporá sobre o regime jurídico e a regulamentação das atividades de agente comunitário de saúde e agente de combate às endemias.
§ 6º Além das hipóteses previstas no § 1º do art. 41 e no § 4º do art. 169 da Constituição Federal, o servidor que exerça funções equivalentes às de agente comunitário de saúde ou de agente de combate às endemias poderá perder o cargo em caso de descumprimento dos requisitos específicos, fixados em lei, para o seu exercício." (NR)
        Art 2º Após a promulgação da presente Emenda Constitucional, os agentes comunitários de saúde e os agentes de combate às endemias somente poderão ser contratados diretamente pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios na forma do § 4º do art. 198 da Constituição Federal, observado o limite de gasto estabelecido na Lei Complementar de que trata o art. 169 da Constituição Federal.
        Parágrafo único. Os profissionais que, na data de promulgação desta Emenda e a qualquer título, desempenharem as atividades de agente comunitário de saúde ou de agente de combate às endemias, na forma da lei, ficam dispensados de se submeter ao processo seletivo público a que se refere o § 4º do art. 198 da Constituição Federal, desde que tenham sido contratados a partir de anterior processo de Seleção Pública efetuado por órgãos ou entes da administração direta ou indireta de Estado, Distrito Federal ou Município ou por outras instituições com a efetiva supervisão e autorização da administração direta dos entes da federação.
  Fosse aplicável o concurso público aos agentes, deveria a alteração legislativa constitucional ser realizada no inciso II do Art. 37 da CF, a qual trata efetivamente de concurso público para a ocupação de cargos públicos.
  Cabe aqui destacar que uma das propostas de alteração da Constituição Federal tinha como finalidade apresentar o processo seletivo público como exceção ao concurso público, alterando o inciso II do Art. 37 da CF.
  Entretanto, verificou-se a necessidade de adequação “espacial’ no texto constitucional, vindo a se efetivar através do acréscimo de parágrafos ao Art. 198.
  Não se pode confundir concurso público com processo seletivo público.
  Não são expressões equivalentes, sendo uma atecnia emprestar-lhes o mesmo valor.
Aqui vale o destaque que, a bem da verdade, tal procedimento surgiu da impossibilidade jurídica-constitucional da realização de concurso público para o agente comunitário de saúde (ACS) já que é conditio sine qua non para a sua atividade residir na localidade onde atuar, sendo esta exigência flagrante ofensa ao princípio da isonomia e acessibilidade aos cargos públicos, conforme determina o inciso I do Art. 37 da CF.
  Como visto o ACS não se submete a concurso público e, portanto, no entender desse parecerista, deverá ser analisado como um ocupante de função pública, não de cargo público.
  Dessa constatação decorrem duas consequências:
1 – Não será considerado servidor efetivo (=ocupante de cargo público, aprovado em concurso público, devidamente empossado e que entrou em exercício) e;
2 – Não alcançará a estabilidade constitucional do Art. 41 da CF, após a aprovação em estágio probatório de 3 (três) anos, já que tal benefício somente é destinado aos servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público, verbis:
“Art. 41 São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público.”
Em vários dispositivos, a Lei 11.350 refere-se à contratação de ACS, devendo ser ressaltado que tendo essa mesma lei eleito o regramento celetista (CLT) para reger o regime jurídico, este é também nominado de regime contratual em função da CTPS. Daí o porquê da menção contratar.
Ocorre que optando o Município pelo regime estatutário, nominado também de regime legal ou administrativo, a priori seria uma atecnia mencionar em contrato, pois nesse regime o servidor dá concretude a sua relação com o poder público, ao assinar o termo de posse.
Logo nesse caso, entendo que deverá o agente (ACS/ACE) ser “nomeado” e tomar posse na “função pública” de ACS, com a inscrição nos livros próprios do ente público.
  Em reforço aos fundamentos acima, imperioso destacar que o Art. 21 da Lei 11.350/06 revogou a Lei 10.507/02, a qual criava o cargo de Agente Comunitário de Saúde, o que na prática significa dizer que hoje ACS não é mais uma profissão, mas sim uma ocupação/atividade e por esse motivo é assim citado o corpo da própria Lei 11.350/06 (v.g.Art. 1º As atividades de agente comunitários de saúde...).

V CONCLUSÃO
Ante o exposto, conclui-se que nos exatos termos da Emenda Constitucional 51 e Lei 11.350/06 os ACS´s não são ocupantes de cargo público, mas sim ocupantes de função pública, não devendo haver a criação de cargos públicos para as suas atividades, e por conseqüência não se submetem a concurso público.

Tadahiro Tsubouchi
OAB/MG 54.221*

* Consultor Jurídico do COSEMS/MG
Pós Graduado em Gestão de Contas Públicas, Fiscalização, Controle Interno e Externo
Pós Graduado em Gestão de Serviços e Sistemas de Saúde
Professor de Cursos de Especialização da Escola de Saúde Pública de Minas Gerais
Consultor de Gestão Pública Municipal
Membro do Núcleo de Direito Sanitário do CONASEMS

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