Eduardo Cunha pode ser afastado da função de presidente da Câmara
| por Rômulo de Andrade Moreira e Alexandre Morais da Rosa
O Ministério Público Federal, por seu
procurador, Rodrigo Janot, apresentou denúncia contra diversas pessoas,
dentre elas Eduardo Cunha, atual Presidente da Câmara dos Deputados e
terceiro na sucessão de exercício do cargo de Presidente da República
(aqui).
Milita em favor do Presidente da Câmara a
presunção de inocência e não pode ser considerado culpado antes do
trânsito em julgado, culpa esta que será apurada em devido processo
legal, de competência originária do Supremo Tribunal Federal.
A pergunta a ser feita é se cabe a aplicação da medida cautelar de afastamento do cargo, diante das acusações?
Cabe recordar que com a alteração da lei
processual, novos dispositivos foram inseridos no capítulo IX, mais
especificamente autorizando medidas cautelares alternativas à prisão.
Com a alteração, o art. 282 passou a estabelecer novas medidas
cautelares que deverão ser aplicadas observando-se um dos seguintes
requisitos: a necessidade para aplicação da lei penal, para a
investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente
previstos, para evitar a prática de infrações penais (periculum
libertatis). Além destes requisitos, a lei estabeleceu critérios que
deverão orientar o Juiz no momento da escolha e da intensidade da medida
cautelar, a saber: a gravidade da imputação, as circunstâncias do fato e
as condições pessoais do indiciado ou acusado (fumus commissi delicti).
Evidentemente, merecem críticas tais critérios, pois muito mais
condizentes com as circunstâncias judiciais a serem aferidas em momento
posterior quando da aplicação da pena, além de se tratar de típica opção
pelo odioso Direito Penal do Autor.
Procurou-se, desta forma, estabelecer os
requisitos e os critérios justificadores para as medidas cautelares no
âmbito processual penal, inclusive no que diz respeito às prisões
provisórias, incluindo-se a prisão temporária, de duvidosa
constitucionalidade, diante de seu caráter derrogatório. Assim,
quaisquer das medidas cautelares estabelecidas neste Título (repetimos:
inclusive as prisões provisórias codificadas ou não) só se justificarão
quando presentes o fumus commissi delicti e o periculum libertatis (ou o
periculum in mora, conforme o caso) e só deverão ser mantidas enquanto
persistir a sua necessidade, ou seja, a medida cautelar, tanto para a
sua decretação quanto para a sua mantença, obedecerá à cláusula rebus
sic stantibus.
Também com nova epígrafe está o Capítulo V
– Das Outras Medidas Cautelares, englobando os arts. 319 e 320 e
acabando definitivamente com a previsão legal (e inconstitucional) da
prisão administrativa. Neste Capítulo estão previstas outras medidas
cautelares diversas da prisão preventiva e da prisão domiciliar.
Uma delas consiste na suspensão do
exercício de função pública[1] ou de atividade de natureza econômica ou
financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática
de infrações penais. Evidentemente que esta medida acautelatória deve
ser aplicada em casos de crimes praticados contra a administração
pública, contra a ordem econômico-financeira, fiscais, previdenciários,
contra a economia popular ou mesmo, a depender do caso concreto, em
crimes ambientais quando praticados no bojo de atividade econômica.
Observar que medida semelhante já tinha sido prevista no art. 56,
parágrafo primeiro da Lei n. 11.343/06 (Lei de Drogas).
A propósito, o Supremo Tribunal Federal,
no julgamento do Recurso Extraordinário nº. 482.006-4, tendo como
Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, decidiu que “a redução de
vencimentos de servidores públicos processados criminalmente colide com
os princípios constitucionais da presunção de inocência (art. 5º., LVII)
e da irredutibilidade de vencimentos (art. 37, XV), (…) validando-se
verdadeira antecipação da pena, sem que esta tenha sido precedida do
devido processo legal e antes mesmo de qualquer condenação.“
Aliás, por analogia, podemos utilizar do
disposto no art. 17-D da Lei nº. 9.613/98 (“Lavagem de Dinheiro”),
segundo o qual, “em caso de indiciamento de servidor público, este será
afastado, sem prejuízo de remuneração e demais direitos previstos em
lei, até que o juiz competente autorize, em decisão fundamentada, o seu
retorno.” (Grifo nosso).
Logo, a prisão preventiva é uma opção
excepcional, razão pela qual as cortes só devem determinar a reclusão do
acusado em casos extremos. A decisão é do Ministro do Superior Tribunal
de Justiça Sebastião Reis Júnior ao conceder liminar para libertar oito
auditores fiscais do Paraná. Com a decisão, as prisões preventivas
devem ser substituídas por medidas cautelares alternativas, entre elas, a
suspensão do exercício da função pública. Para o Ministro Sebastião
Reis Júnior, os argumentos do juiz de primeiro grau “não são suficientes
para justificar a decretação da prisão preventiva”. Segundo ele, a
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça considera que o decreto
de prisão provisória deve estar baseado em elementos concretos e de
convicção que justifiquem a necessidade da medida excepcional. De acordo
com o Ministro, a aplicação das medidas alternativas é suficiente “para
garantir a ordem pública, a conveniência da instrução criminal e a
aplicação da lei penal, até porque os crimes imputados não foram
cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa”. Sebastião Reis Júnior
afirmou, ainda, que o afastamento dos pacientes do exercício de suas
atividades se mostra suficiente para evitar a reiteração criminosa, pois
os crimes teriam sido cometidos em razão do exercício da função. “Com o
advento da Lei 12.403, a prisão cautelar passou a ser a mais
excepcional das medidas, devendo ser aplicada somente quando comprovada
sua inequívoca necessidade, devendo-se sempre verificar se existem
medidas alternativas à prisão adequadas ao caso concreto”, concluiu
Sebastião Reis Júnior. (Habeas Corpus nºs. 327155, 327164, 327181 –
parte 2, 326930, 327165 – parte 2, 327167 e 327078 – partes 2 e 3).
Neste sentido, a Primeira Turma do
Supremo Tribunal Federal não conheceu o Habeas Corpus nº. 121035. No
Supremo, a defesa pretendia reverter decisão de Ministro do Superior
Tribunal de Justiça que indeferiu pedido de liminar em Habeas Corpus lá
impetrado, no qual o réu pedia trancamento do processo penal e seu
retorno ao cargo público. O Ministro Dias Toffoli destacou que afastar
do mandato eletivo um agente político, com base no artigo 319 do Código
de Processo Penal, em vez de decretação da prisão pode ser mais eficaz.
Lembrou que, antes da alteração da lei, houve diversos casos em que
prefeitos tiveram a prisão decretada, mas continuaram despachando da
cadeia. O Ministro afirmou ter refletido sobre a possibilidade de um
juiz que não é da seara eleitoral afastar alguém do mandato, mas que no
caso em julgamento, especialmente pelo fato de o acusado ser alvo de
denúncia de diversos crimes semelhantes na gestão da prefeitura, a
medida se justifica. “É necessário que não fechemos a porta a toda e
qualquer possibilidade de uso deste dispositivo do Código de Processo
Penal, na medida em que, se o crime pode voltar a ser praticado, estando
a pessoa na função pública, ela deve ser afastada”, observou o relator.
Desta forma, do ponto de vista teórico
existe a possibilidade de, presentes indícios suficientes de autoria e
prova da existência de um crime contra a administração pública, além de
ser conveniente para a instrução criminal, dado o poder que o Presidente
da Câmara exerce, o seu afastamento de suas funções, mantendo-o, como
Deputado Federal, múnus para o qual foi eleito de forma legítima pelo
povo (e considerando, evidentemente, ter havido, neste sentido, pedido
do Procurador-Geral da República, afastando-se, por óbvio, atuação de
ofício, do Ministro relator). Evidentemente que as movimentações do
acusado podem gerar novas cautelares, bem assim a revisão das impostas,
sempre no interesse da manutenção do objeto da imputação, ou seja, do
processo e não como punição antecipada. O que nos parece evidente é que o
controle da pauta da Câmara, os poderes administrativos e as pressões
decorrentes do exercício de tão relevante função, no contexto, podem ser
suficientes à medida.
E, caso haja descumprimento desta medida
cautelar? Segundo permite o Código de Processo Penal, o Magistrado
(neste caso, o Ministro do Supremo Tribunal Federal), poderia (como
ultima ratio) decretar a prisão preventiva, nos termos do art. 312,
parágrafo único. Não neste caso, tendo em vista que os Deputados
Federais só podem ser presos, desde a Diplomação, em flagrante delito de
crime inafiançável, nos termos do art. 53 da Constituição Federal. Nada
a fazer, portanto. Foi a vontade popular!
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