SALVADOR 469 ANOS: A missão dos jesuítas nos primórdios da cidade (TF)
SALVADOR 469 ANOS: A missão dos jesuítas nos primórdios da cidade (TF)
Os jesuitas não consideraram a cultura tupinambá e impuseram seu Deus, Cristo e o papa aos nativos brasis
Tasso Franco , da redação em Salvador |
27/03/2018 às 09:13

A igreja e colégio dos jesuítas no Terreiro de Jesus, hoje, Catedral da Sé
Foto: ILS
Como vimos em crônicas anteriores sobre os 469 anos de fundação da
cidade do Salvador, os historiadores não levaram em consideração as
antigas Vilas do Caramuru/Santana da Vitória, a partir de 1510; e a Vila
do Pereira, do donatário Francisco Pereira Coutinho, a partir de 1536,
para considerar a data de fundação da cidade. Também falamos na segunda
matéria sobre a chegada de Thomé de Souza e sua tropa, e mais os
letrados burocratas, para fundar a cidade, a partir de 29 de março de
1549, data da chegada do governador geral a Baía de Todos os Santos.
Hoje, vamos falar sobre os jesuitas e o papel que tiveram na fundação
da cidade fortaleza. A Companhia de Jesus com seis religiosos comandados
pelo padre Manoel da Nóbrega foi a primeira a se instalar em Salvador e
chegou na frota de Thomé de Souza.
Criada por um grupo de religiosos liderados pelo espanhol Ignácio López
de Loyola, ex-militar que se convertera ao cristianismo e estudava na
Universidade de Paris promovendo reuniões no Colégio de Santa Bárbara,
nasceu com o objetivo de ser "soldados de Cristo" e atuar na
contrareforma diante do rachão (cisma cristão anglo-saxão) provocado na
Igreja Católica Romana com o nascimento do protestantismo de Martinho
Lureto, monge agostiniano alemão, que condenava, entre outros a venda de
indulgência para se alcançar o céu com suas 95 teses publicadas em
1517.
Loyola ingressou na Universidade de Paris, em 1528 (mesmo ano que Diogo
Álvares, o Caramuru, casou-se com Catharina Paraguaçu, em Saint Malo,
na França) onde aprimorou sua educação literária e moldou sua formação
teológica; e cativava outros estudantes para os seus exercicios
espirituais. Em 1533, com Pedro Fabro - único sacerdote do grupo -,
Francisco Xavier, Alfonso Salmeron, Diogo Laynez e Nicolau Afonso
(Bobadilla) - todos espanhóis - e mais Simão Rodrigues de Azevedo
(português) cria as bases teóricas da Companhia de Jesus.
Diz Ana Maria Furtado Monteiro de Carvalho, em "A Arte Jesuítica no
Brasil Colonial", que "no auge da crise de humanismo renascentista, em
1534, surge a Companhia de Jesus como uma cruzada apostólica
revolucionária". Foi exatamente neste ano que Dom João III instalou no
Brasil o Regime das 12 Capitanias Hereditárias, primeira tentativa de
colonização do país.
O Concílio de Trento (até hoje considerado o mais importante da Igreja
Católica e que durou de 1545 a 1563, 18 anos) definiu a fé cristã pelo
discurso doutrinário da contrareforma (efeito Lutero), época da
transição do feudalismo para o capitalismo, incrementado no início do
Século XVI pela descoberta de novos mundos.
As Constituições da Companhia de Jesus foram aprovadas por Diogo
Laynez (segundo da Ordem) e pregavam o uso das imagens, da educação, da
arte e da peregrinação, e determinavam que o combate aos infiéis e a
conversão dos gentios deveriam ser feitas através da militância do
espírito. Loyola via a vida como "um caminho e peregrinação para chegar a
Deus".
Portugal havia conquistado seu império a partir de 1128 sob a bandeira
da Cruz de Cristo através da poderosa Ordem Monástica Militar dos
Cavaleiros do Templo. Em 1455, o papa Calisto III concede aos monarcas
portugueses e espanhóis o direito ao Padroado. Ou seja, jurisdisção
eclesiástica em territórios ultramar. Os reinos construiram as igrejas,
nomeavam padres e bispos e só depois eram aprovados pelo papa.
É nesse ambiente que o papa Paulo III através da bula "Regime da
Igreja Militante", em 27 de março de 1540, entroniza a Ordem da
Companhia de Jesus e Loyola instala, em Roma, em 1544, a Igreja Gesù.
E, veja que, em curto espaço de tempo, já com uma Província Jesuítica
estabelecida em Portugal sob o comando de Simão Rodrigues de Azevedo, a
Ordem embarca para o Brasil com Thomé de Souza, os padres Manoel da
Nóbrega, João de Azpicuelta Navarro, Leonardo Nunes, Antonio Pires e os
irmãos Diogo Jácomo e Vicente Rodrigues.
Como esses jesuitas iriam encarar a missão no Brasil se o gentio não
sabia nada sobre a contrareforma de Lutero e o Deus católico, nunca
tinham ouvido falar no papa e em Jesus Cristo, muito menos nos santos
mais famosos do medievo, Santo Antonio, São Francisco de Assis e Santo
Agostinho?
Nas terras que os europeus chegaram no altiplano da Baía de Todos os
Santos, nas ilhas e no Recôncavo habitavam os tupinambás com seus deuses
politeistas da natureza - trovão, raio, rio, mar etc - suas crenças e
cultura própria, incluindo as assombrações e seus pajés. Os jesuitas, no
entanto, desprezaram todos esses atributos e colocaram em prática as
normas constitucionais da Ordem, da militância do espírito. E impuseram a
fé cristã desde o momento em que colocaram os pés nas primeiras
aldeias.
Os tupinambás, em certo sentido, ao invés de conhecer o tal Deus bom
dos católicos, passaram a conviver com um inferno na medida em que, além
de terem suas culturas religiosas suprimidas pelos jesuitas, eram
obrigados pelos colonos a trabalharem em suas lavouras. Muitos se
revoltaram e foram mortos, especialmente, no governo de Duarte da Costa.
E outros se mudaram para o interior deixando a mancha próxima da baía
de Kirimurê, como chamavam a Baía de Todos os Santos.
Diz-se que a primeira missa de Nóbrega a pedido de Thomé de Souza foi
rezada dia 31 de março de 1549, na capela erguida por Catarinha e
Caramuru em louvou a Nossa Senhora da Graça (hoje, um bairro na capital
baiana) para que o Espírito Santo iluminasse os caminhos do governador
para escolher um local ideal para fundar a cidade. Nóbrega revela que
era uma "maneira de igreja".
Escolhido o local, os jesuitas ergueram logo uma capela em louvor a
Nossa Senhora d'Ajuda e promoveram a primeira procissão no que seria o
centro da cidade Fortaleza, no Dia de Corpus Christi, em 13 de junho,
quando enfileiraram alguns curumins nus levando cruzes de folhas de
pindobas nas mãos.
O passo seguinte dos jesuita foi ocupar as aldeias mais próximas no
núcleo da fortaleza, no atual São Bento, no Calvário (Carmo), na Piedade
no Passeio Público e no Rio Vermelho. E, erguer um Colégio Jesuítico
fora dos muros da cidade, a partir de 1550. Na carta de 15 de abril de
1549, a segunda que Nóbrega escreveu para provincial Simão Rodrigues,
informa que "o governador escolheu dentro da 'cerca', um bom vale para
nós. Parece-me que teremos água, assim m'o dizem todos".
Nóbrega, no entanto não achou a área adequada e solicita ao governador
erguer igreja e colégio dos jesuitas fora dos muros da cidade após a
porta Norte de Santa Catarina, ao lado da Santa Casa da Misericórdia. É
neste local que nasce a Sé Primacial da Bahia com vista para a Baía de
Todos os Santos e o colégio que inicialmente serviu aos filhos dos
tupinambás, mas, cujo objetivo mundial éra tornar-se um centro
educacional de ensinos médio e superior visando a formação de
missionários e aberto a alunos exteros. Seu mais famoso aluno já com
essa concepção foi Antonio Vieira, o padre que se ordenou ai e se tornou
o maior orador sacro do seu tempo, século XVII.
Em 1553, Loyola cria a Província Jesuítica da Bahia e a essa época,
Nóbrega já tinha fundado em viagem com Tomé de Souza ao sul do país a
capela de São Paulo (depois, colégio de Piratininga, hoje, cidade de SP)
e bases religiosas no Espírito Santo, São Vicente e Rio de Janeiro.
Vê-se, portanto, que o projeto da Companhia de Jesus não se limitava a sede da Colônia e sim a todo território nacional.
Sobre Salvador da Bahia, há muitos documentos de Nóbregas e outros
padres desse período inicial da história da cidade. São enriquecedores
da missão desses religiosos, depois considerados gananciosos e expulsos
do Brasil pelo marquês de Pombal, mas, que foram vitais na formação educacional do país.
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